terça-feira, 26 de junho de 2007

Verso interrompido

Sou um verso interrompido
Uma palavra inacabada
Um som emudecido
Uma frase seqüelada

Sou um vento estagnado
Uma brisa esquentada
Um mar ressecado
Uma lágrima amarga

Sou um sonho recaído
Um pesadelo arruinado
Um desejo esquecido
Um anseio relegado

Sou uma vontade vencida
Um ímpeto estrangulado
Uma meta desvanecida
Um destino desavisado

Sou uma sorte enganada
Um labirinto fechado
Uma esquina passada
Um caminho idealizado

Sou metáfora recontada
Uma comparação indevida
Uma qualidade ofuscada
Uma hipérbole contida

Sou um teimoso limitado
Um pecador iludido
Um confidente arriscado
Um amante aturdido

Sou uma emoção repartida
Um sonhador enraizado
Uma canção rediscutida
Um namorador abonado

Sou somente um ardor
Que no dia se espalha
Sou pedaço de uma dor
Que no peito resvala

Mas no teatro da vida
Faço as vezes de um ator
Contraceno com a saudade
Nas cortinas de um amor

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Voar

Eu só queria um pedaço de liberdade
Para pisar num chão de que fosse dono
Marcar passos no rol da vontade
Satisfazer o desejo que aprisiono
Percorrer labirintos da minha verdade
Pelos becos de medos que me dão sono

Eu queria acordar sem a nuvem do ontem
Impedindo o sol da cortesia matinal
Queria que as aves no meu ritmo cantassem
Como se saudassem de frevo meu carnaval
Eu dançaria num compasso vindo do além
Celebrando o desfile de um ego imortal

Se meus pés fossem como forças do ímpeto
Mãos eu teria para enfeitiçar meu futuro
O destino seria descendente do arbítrio
A magia me faria ver luzes no escuro
Virtudes seriam o meu mais nobre título
Defeitos sumiriam em fábulas do absurdo

Se a liberdade fosse minha relíquia
Mares choveriam em minhas pálpebras
Dias nasceriam em risos de poesia
Noites sangrariam em meio a anáguas
Um arco-íris dos olhos resplandeceria
Para colorir as faces da minh’alma

As bocas seriam meu pouso seguro
Por entre pernas eu faria a minha rota
Corpos sedentos no horizonte futuro
Prazeres suados na sola das botas
Amores sóbrios em verso duradouros
No efêmero ébrio das próprias órbitas

A liberdade é de toda sorte um prêmio
Que minha caminhada tenta conquistar
Errante perambulo em sonho ingênuo
De que os poemas até ele vão me levar
Mas sinto que preciso do que não tenho
O poder de subir aos céus e voar

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Meu passo

Falo de felicidade que preenche
de sentimento que se embala
de aconchego que se pretende
onde o mar vira alma

falo de amor que deságua
de paixão que não se rende
de ardor que até se mata
quando o peito é de gente

falo da vida que não se muda
do presente que se germina
dos passados que se cultuam
pelos futuros se não terminam

falo dos nobres que se curvam
dos plebeus como majestades
de coroas que viram feudos
onde as vidas valem a metade

falo de palavras que se destroem
de frases tolas que se esbarram
de versos mudos que se doem
no silêncio morto dos que falam

falo das eras que agora são
do que se foi e nunca esteve
do que é ser se foi coração
do eterno será se amor teve

e falo do não que é certeza
porque duvida da afirmação
da negação quero a firmeza
de quem oscila sem a razão

se não falo sou a escrita
letras livres lendo linhas
sílabas somente se saciam
se da carne sou comunhão

E não invento a vida
eu renasço

E não controlo o tempo
eu perpasso

Não jogo rimas
eu ultrapasso

Não desafio o mundo
dou meu passo.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Sina

Posso pensar mas nunca escrever
O universo dos meus sentimentos
Pois na órbita dos meus momentos
Sou apenas a lua e o sol é você

Posso tentar mas nunca depor
Sobre o flerte das nossas almas
Pois no anseio da minha calma
Sou apenas o peito e você o amor

Posso tentar mas nunca falar
Dos sonhos moldados no riso
Pois no toque de um desaviso
Sou o deguste e você paladar

Posso tentar mas nunca saber
Dos segredos encobertos na flor
Pois no jardim do nosso ardor
Sou a raiz e você o arborescer

Posso tentar mas nunca entender
A eternidade no teu simples olhar
Pois no tempo de o destino criar
Sou instrumento a obra é você

Posso tentar mas nunca reunir
As qualidades do teu semblante
Pois no mundo de um instante
Sou circunstância e você o advir

Só posso o que tento por sina
Ao rio de amor dar minha vazão
Em nosso leito só corre coração
Se sou Tiago e você Catarina

De amor e distância

No lapso dos quilômetros
Instalou-se a distância
Estrada de corações francos
Lembrança ainda que tardia
No tempo de uma hegemonia
De encontros instantâneos

O acaso foi escorregadio
Deslizou por entre os caminhos
Separou do jardim cravo e flor
No labirinto de um desaviso
Resolveu validar nosso amor
Testando amantes a fio

Que ardor não se apaga
Com o sopro de uma ausência
Que paixão se agüenta
Onde sobra uma carência
Se a rotina agora é feita
De retratos e essência

Imploro ao vento teu cheiro
Peço às noites o perfume
Escuto nas aves teu recado
Os olhos vejo em vaga-lumes
A tua pele sinto no abraço
Quando a noite o dia assume

Quanto dói uma sentença
Ajuizada na saudade
Se distancio da presença
Acolho a ansiedade
De suplantar o destino
Pela força da vontade

E não há metro que separe
Meu amor dos teus dias
A distância nunca vale
Quando a vida anuncia
Que no mundo de nós dois
Mora a eterna sinergia

sábado, 2 de junho de 2007

Soneto da Criação

Borbulham, na cabeça, idéias desconexas
O criador desperta e, a si, faz a promessa:
Desafiar o existente e dar-lhe nova versão,
Tornando flagrante o momento da criação

Significados se misturam para originar
Teses inéditas, novas formas de pensar
Com minúcias, busca, a melhor construção
Divagando entre os mundos da inspiração

Entre batalhas mentais e o limite humano
Resulta, do esforço, o que será mundano
O caleidoscópio da razão, alma e crença

Fruto das técnicas e também da intuição,
Apoiado na ciência ou na falta de instrução
Eis, aqui, o mistério do único ser que pensa.