quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Dirigir

Quero escrever como dirijo um carro. Ir de uma faixa a outra apenas com um leve esforço de mãos habilidosas. E olhando, furtivo, no retrovisor para evitar transtornos. Não! Para escrever não basta isso. O retrovisor, muitas vezes, nos mostra imagens que imobilizam as mãos e vencem nossos esforços.

Insisto.

Quero começar e terminar uma linha do mesmo jeito que vou de carro de um destino a outro. Mas, toda vez que começo a escrever, surgem novos caminhos, novas avenidas, novas estradas. Acabo perdendo a minha rota e me descubro sem destino.

Persisto.

Quero saber o que vou encontrar quando virar a esquina. Se existe um buraco, um congestionamento ou o se o caminho está livre. Dificilmente, porém, encontro os deslizes do meu texto e caio, afundo, na superfície de buracos inexistentes. Perco-me no sombrio da indecisão, na confusão das palavras, nas possibilidades da oração. Fico parado, revolto em pensamentos que se sobrepõem, se engarrafam, se congestionam. Por vezes, pior: idéias não andam, mensagens não circulam.

Prossigo.

Quero, ao escrever, encontrar os sinais abertos, para construir minha história livremente. Ainda que estejam fechados, quero ter a certeza de que posso esperar tranqüilo que, dali a um certo tempo, eles se abrirão, e eu retomarei a minha trilha de onde parei. Não compreendo. Ao me conduzir nas estradas da literatura, enxergo sinais que se transformam em placas proibindo-me a passagem. Ou desviando a via, que se apaga à minha frente para ressurgir em direções inesperadas. Indicando, ainda, trechos sinuosos, pista escorregadia. Cavaletes de dificuldade.

Desafio.

Arrisco-me a ultrapassar os sinais. Desvio das bifurcações da língua, encosto em termos, expressões e dou seguimento às vírgulas. Não raro, tropeço nas linhas, chego cambaleante aos pontos finais e, inerte, vejo escorrer lentamente o sentido das frases para fora das margens do papel. Na contra-mão, armo o acidente entre os vocábulos, quebro o elo entre eles e os reduzo a nada.

Respeito.

Quero escrever sentindo a segurança de um cinto que me prende à cadeira, pronto para me proteger frente ao inevitável. Escutando o som escolhido por mim, no rádio, e com a marcha que regula a velocidade ao alcance das mãos. No texto, a proteção me algema, o conforto me esconde a criação. Fico... preso. O limite me provoca... se insinua e me pede para vencê-lo. Mas ele se estende, muda de lugar e, quando noto, corre diante de mim. O som da mente é um barulho de vozes vividas, ouvidas, observadas que me contam histórias reais, imaginárias e desejadas. Ruídos que não controlo, volumes oscilantes.

Percebo.

Quando escrevo, a distância percorrida é quase nula, pois dedico grande parte do tempo a colocar as letras e, em seguida, apagá-las rapidamente. A impor a palavra e, logo depois, bani-la. O movimento se repete até que, às vezes, finjo esquecer de apagar.

Sinto-me multado em minhas convicções.
Derrapo nas curvas da técnica.
Freio cada uma das inspirações...

...Para, a seguir, acelerá-las.

Nos obstáculos, crio a minha voz.
Enfrento o destino.
Faço da vida o meu combustível.

Transformo sinais em pontos de partida.
Redobro os esforços.
Encontro brechas nos congestionamentos.
Exploro o breu das vielas, dos becos, e chego ao final das ruas sem saída.
Dou-me o prazer de perder os caminhos e virar nas esquinas que desconheço

Ilumino a escuridão e descubro que é assim que as palavras brotam, o texto cresce, a história se conta.

Mas não incorporo a certeza: se renego as dúvidas, elas me derrotam.

Repudio meu lugar de piloto.

Afinal, escrever não é dirigir. É perder o controle.