segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Dedicatória.

O mundo cabe em um suspiro. E a vida mora em um beijo. A realidade é um quadro invisível a toda forma de olhar forjado na razão. O raciocínio tropeça. É um espectador cego diante da paisagem da existência. Quem pensa não vê. Quem vê nem sempre sente. Quem sente é o próprio universo dentro de um ser. Sentimento é liberdade para qualquer cárcere. A emoção destranca grades e dor. Subjuga algemas e tristeza. Alforria escravos de rotina e medos.

A humanidade perambula vesga pelos corredores do hábito. E padece inerte aos atalhos das oportunidades. Na esquina do costume com o inesperado, os gestos repetem um padrão: abraçam o vazio menos doloroso apelidado de certo. Subtrair riscos, cortar impulsos, sonegar desejos. Eis a lição decorada na cartilha de quem não lê o prazer. Errado é financiar vontade, multiplicar ousadias, aflorar anseios. A enciclopédia herege dos desafios devia se mostrar atraente. Os capítulos desamarram pudores. As palavras encurtam amores. E as letras desfilam em cada linha o poder de dar sentido a vidas. Mas nem todo ensinamento escapa ao receio. Mudança rima com equívoco no glossário do conformismo. E, para a estrada da afoiteza, o mundo recolhe o passo.

O manual da vida contém uma única doutrina: viver dispensa quaisquer regras. O futuro sobrevive no agora. O passado se alimenta de esquecimento. Basta ao presente nortear a caminhada de quem busca ser feliz. O tempo ensina que os moldes caem, um a um, no revezamento do dia com a noite. Os dias excluem a eternidade. Os meses apagam os rótulos. Os anos demitem a imortalidade das juras. Só o arrependimento amadurece na proximidade do fim.

O tempo são como folhas que se despedem das árvores no outono: nem retornam aos galhos, nem se fazem jovens novamente. Estão fadadas ao solo. E nunca mais serão da mesma primavera. O diferencial da vida está no sopro que cada um dá ao próprio destino. Que vale mais: a brisa que levemente ajuda a planar sentimentos e garante um pouso tranqüilo sobre o chão? Ou a tempestade capaz de sacudir para cima qualquer trajetória e fazer a lucidez esquecer que existe um chão? A lei dos homens pede a prudência. A sociedade exige o limite. Mas a sanidade não toca o céu. E o mundo precisa voar.

No limite do auto-controle, as algemas atendem pelo nome de juízo. Bom senso, cautela, discrição, reserva, prudência. A língua é eloqüente para silenciar os sentidos. Amputar vontades, aplacar ímpetos, subnutrir sonhos. Mas ninguém sobrevive de prisões. A alma se contorce para ser livre.

Levamos no rosto o currículo das nossas opções. Sorrisos adocicados, lágrimas amargadas, indecisões coradas de experimentações. Cicatrizes podem ser feias, mas desenham nossas atitudes. Rugas espantam, mas definem nossas escolhas. Cabelos brancos, calvícies, cachos enrolados. Termômetros de alegrias e tristezas. Marcas e sinais da caminhada chamada vida. De que vale a pele lisa de uma história em branco?

Todo pensamento dever ser relido ao contrário. A vida pede o romantismo do acaso. E ele está nos olhos de quem vê. Com a alma.