segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Insanidade

Vejo a insanidade invadindo meus poros. Minha lucidez seqüestrada. Minha regra desfeita no caminho do momento. Meu combalido sentido de direção violentado pelo acaso. A nau anda errante. Mareja, mas não aporta. Viaja, mas não chega. E em cada porto, deixa uma carga de devaneios. Ninguém sobe. Ninguém fica. São todos passageiros de um desatino ao sabor da maré.

Navego os dias sem mapa ou rota. Minha carta de navegação é a alforria de cada dia. Sôfrega. Virtuosa. Trôpega. Sinuosa. Assim vai minha vida. Assim segue meu labirinto indigesto por ironia tachado de mente. Circulo ilhas, contorno continentes. Nada de porto seguro. Nem porto sem rumo. Nem espaço para ancorar. A minha milha é a ilusão. De quem sou, do que faço, do que penso que o mar me revela quando esconde sua profundeza. Na superfície dos dias, a espuma beira a eternidade. Nada é real. Nada é concreto. Tudo se desfaz no toque de quem quer a certeza. Em águas cristalinas, não nadei com freqüência. E nem mesmo a prudência me impediu de sonhar.

E o que me importa a correção da praia? Água de um lado. Terra do outro. A lei respeitosa dos movimentos calculados. Um vai. O outro cede. Um aparece. O outro submerge. Convivência de dias. Empatia de noites. A inércia como tempero de uma vida insossa. Eu quero a tempestade das almas. A orgia dos maremotos. A falta de ordem na desvirtuada sinfonia dos ruídos que a vida arrota. Sem ar. Sem vícios. Sem pulmão para se deliciar com o vento. Quero o balançar sem enjôos do inconsciente. Da certeza fortuita. Da dúvida magra e repelida. Fastia-me sofrer nas rédeas. Avilta-me corroer o intestino com os poros fechados pela decência. Carece-me a falta de chão.

O passear louco de quem não sabe qual passo dar é tão somente a receita sonegada pela felicidade. Atalho do prazer. Menor distância para a luxúria. Infiltram-me dores e odores de ser incerto diante da fraude apelidada de razão. Ninguém domina a imortalidade dos momentos. Palcos do improviso. Salões da dança ilógica. Corredores de parâmetros rasgados por quem se guia de olhos vendados para o amanhã.

Nem sei mais quem sou. Nem o mar me diz. Nem os ventos assobiam. Nem a terra desenha. As águas são turvas na aventura pelo desconhecido. Escondem pedras. Cobrem vidas. Não saciam sequer a vista, enganada pelo balanço conveniente e lúdico de ondas sem qualquer propósito. Uma vida regada pela insanidade exige mergulhos constantes para descobrir o que o mar esconde por baixo da opaca camada de rótulos sociais.

A cada imersão, e as águas se reinventam. A cada descida, os dias se banham em novo sentido. A cada risco, a coragem risca o que um peito arisco se furtou a rabiscar nas páginas do agora. Eu me acorrento a um tempo que não anda. A um dia que não finda. A uma era que não sucumbe. Quantas madrugadas a dúvida há de acolher? A ojeriza do controle reescreve a sina de ver o mar. E a minha loucura clama a hora de navegar.