domingo, 14 de agosto de 2011

Vida e vinho


A vida é um vinho sem tempo. Soçobra na boca dos apressados. Inquieta no paladar de quem sonha. Amarga nos lábios dos incrédulos. Mas respeita a cadência da alma. Ao sabor do ritmo de cada um, envelhece. Ou rejuvenesce, no deslize do riso. Na sapiência da serenidade. No improviso da rotina.

Vinho e espírito são duas fontes da mesma eternidade. Um passeio pelo risco da embriaguez. Um convite ao delírio imortalizado no gole dos atrevidos. O cálice repousa sobre a mesa à espera da mão fortuita. A alma aloja-se no corpo do compasso do gesto ousado. O tremor do acaso revela o âmago de ambos.

Do vinho apegado às paredes da taça, a inconstância liberta o perfume submerso no encarnado. O cheiro inebria, enfeitiça, aquece. É a alcova dos corações frágeis. O calabouço dos egos cheios. A armadilha do destino errante. Na maresia da noite, cada volta pela textura do vidro cumpre um ciclo: a força sobreposta à inércia do descanso, o traslado contra a gravidade até a beira, a queda rumo ao fundo do movimento. É o refinamento efêmero na ante-sala da degustação. O desfile na borda do prazer.

A vida espelha a sina do brinde. O corpo, confiante, luta para manter a alma ereta. Enquanto o coração, oscilante, tilinta as emoções pelo limite dos poros. E, no encontro de dois cálices de sentimentos, o tremor sossega a razão. A dúvida saúda o peito. O receio inutiliza a ação. O desejo peregrino nas bocas é o compasso da volúpia sombreada nas íris. A sede mistura as sensações. E a pele só pede para servir-se de toque. De gole. De combustão. As adegas se escancaram e, sobre a mesa, a sedução impõe: é hora de entornar a existência.

O vinho refuta a indecisão. A vida repudia o vacilo. Sabor só existe para quem prova. Vale nada o tempo guardado se à taça não se chega. Mora no paladar o encontro da expectativa com a realidade. E é nula a existência desprovida de ousadia. A inércia sepulta o sonho das conquistas. Na encruzilhada entre a experimentação e o destino, o futuro exige o caminho do primeiro gole. De audácia. De vinho. De vida.