domingo, 18 de outubro de 2009

reticências

e lá vem ela, a vida
na estrada da incoerência
um trecho sinuoso
um atalho
um caminho improvisado
de repente, becos sem saída
onde o retorno é impossível

na encruzilhada do destino
um passo é decisão
uma via corta o tempo
e sangra de dores o coração

não há certezas no sentimento
nem verdades nas ilusões
somos entes vagos
reféns de acasos
subalternos a sinas
algemados a medos e pretensões

coração se bandeia e recusa
corpo oferece e se omite
alma fraquejada por promessas
em silêncio

nas lágrimas sobrepostas
o querer se impõe
na saudade revelada
o cheiro afaga
e se a realidade pede laços
titubeia-se de covardia

enamorada fica a aflição
quando voa-se na fragilidade
se o encontro é com a solidão
o sofrimento risca o peito

havia futuro em teus olhos
e caminhada no teu sorriso
mas ventou pressa e a urgência
assoprou o sonho no horizonte
a linha dos dias enovelou-se
na incerteza da tua ausência

seca a boca sem teu beijo
cegam os olhos sem teu brilho
morre a carne sem teu calor

a alegria cobra a brincadeira
e a madrugada recorda-se
é metade sem tetéu

hoje sou choro nada mais
no aluguel das recordações
no meu baú de emoções
eras o meu porto de paz

vida de aventuras
prazeres inconseqüentes
descobertas e segredos
sinônimos de felicidade

meu amor se escuda
mas não morre, é semente
tu se vais, eu receio
e me abraço à saudade

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Emudeço

Desconheço o cheiro
Flores, orvalho, mel ou essências
Ignoro a temperatura
Calor, arrefecido, frio ou fervor

Tampouco sei das manias
Pisca, estala, morde ou foge
Passo ao largo dos gostos
Cinema, música, bares ou academia

Ando por fora da agenda
Trabalha, estuda, dorme ou atrasa
Nem mesmo suponho o humor
Ri, sofre, gargalha ou chora

Quem dera saber os segredos
Confessa, discursa, conversa ou nega
Pudera dominar teu traquejo
Rebola, desfila, dança ou surrupia

Não tenho ciência dos teus dias
E vivo no tempo da expectativa
A esperança me serve de guia
Na escuridão que é tua ausência

E, no breu, eu te recrio
Na metamorfose do ensejo
Onde há sonho, não silencio
Emudeço carência a desejo

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Posso?

Posso te ter de olhos
Fechados
E sentir tua pele
Calado
Beber tuas lágrimas
Num verso
Chorar tua ausência
Num passo
Sorrir teu charme
Por perto
Tocar tua índole
Fácil
Viver teus dramas
Inerte
Torcer tuas dores
Vingado
Andar teu caminho
Inebriado
Bater teu peito
Rarefeito

Passeio pelo teu tempo
E nada me faz sentir pressa
Eu só temo
Não durar os teus dias

Rogo ao destino
A concessão do impossível
Numa mão ponho a reza
E peço o pecado
Doce sabor amargo

Eu quero tua dimensão
Raptar o futuro
E te dar de presente
Minha eternidade

Eu ouço tua voz
E sei
Que a natureza canta

Queria um espaço entre teus sonhos
Um quarto da mente
Uma cama junto a teu sorriso
Tuas manias como cobertor

E na profusão das palavras
Equilibro as letras
E derrubo a dor
Sofrer não te rima
És vida que anima
A parte de dentro
Aquece a contento
Minha sede de amor

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Aviso de fé

Bem queria ter poder
Para te construir em verso
Metrificar o meu destino
No contorno do teu riso

Bem queria decifrar
A linguagem do teu rosto
E contar o meu tempo
No ritmo dos teus olhos

Só me sobra uma réstia
Do instante que não tive
Fui vontade nada resta
Quis amor e me contive

Não me fugiu da covardia
O semblante da mulher
Traços finos boca lisa
Expressão de bem-me-quer

Retrato e alma de menina
Gesto e pose de princesa
Reinado breve numa mesa
E majestade da minha sina

Na pureza da tua voz
A natureza da harmonia
A certeza que me guia
À beleza que te é foz

Mas o dia entardeceu
E a noite se fez fria
Pagode foi agonia
Você desapareceu

Por entre copos não te vi
Por entre goles não dancei
Por entre vozes eu calei
Por entre gente te perdi

Busquei colo no recanto
Sem um canto pra soltar
Minha fuga virou pranto
No desencanto de te olhar

Desencontro de lábios
Desengano de anseios
Despudor sem esperança
Tessitura da ilusão

Em meu peito presságio
Em meu ímpeto defeito
Tormento na lembrança
Via-crúcis da paixão

Longe tudo é carência
Reminiscência e lamento
Varro a vida por detalhes
O que não sei eu invento

E me apego a descrições
De perfis elaborados
Solapo as decepções
E me imagino namorado

Absorvo tudo que te apraz
Repudio logo as traições
“Eu sei que a vida se refaz
Por entre todas frustrações”

E na bagunça me organizo
Arquivo em mim o teu calor
Eu nem sei mas te prescrevo
“A fórmula certa do amor”

Hei de achá-la em teu nome
Fruto e prova do latim
Língua morta que não some
Se a chama não tem fim

No batismo francês reluz
O que tua alma já recita
Aviso de fé te traduz
E crer em ti se justifica

Rezo a dor de não te ter
Ergo a cruz de te sonhar
Na parábola da ausência
Peco porque te desejo

Oro à chance de te ver
E sem direito a separar
Rogo a mim a penitência
De te converter num beijo

domingo, 12 de julho de 2009

Ao mar ou amar...

Mas que mar há em amar...
Da escolha do barco
Ao içar das velas
De corpo posto a nadar

Em águas profundas
De sentimentos rasteiros
Na praia, na areia
Com pegadas do efêmero
E o passado afogado

É só mergulhar
Em banho de sol
Lua a esquentar
Amor de verão
Casamento sem altar

Brisa de serenidade
Força de saudade
De quem se arrepia
Em noite de maestria
A desafiar o mar
E os que sabem amar...

Em confronto de forças
Que se perdem no tempo
Em duelo de gigantes
Com espadas de vento

Nem se escolhe fugir
De guerra viva sem fim
Em campo minado de odor
Enlameado em beijos de dor

A vida celebra o raiar
De frente pro vento
De costas pro tempo
Sem compasso ou exemplo

Ao mar ou amar...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

ladrão de sentimento

Velejo em busca
de emoção
A minha sina
é conquistar
Quando avisto
um coração
Já me preparo
para ancorar

Refaço a rota
da minha nau
Procuro a praia,
fujo do mar
Quero teus beijos
em terra firme
O meu destino
vira te amar

Descubro a ilha dos teus desejos
No teu sorriso, chego a voar
Sem ter juízo é que me vejo
E sem limites torno a sonhar

Te faço juras em cada
abraço
Prometo o céu
pra te ninar
Nas nossas vidas
eu dou um laço
Que nem o tempo
vai desatar

Mas de repente
a eternidade
Vira uma gota
em meio ao mar
Do que era sempre
fica uma parte
E uma partida
a lamentar

Levanto as velas das seduções
Embarco sem te ver chorar
No convés, ponho tuas emoções
Há outro porto a me esperar

Meu peito náufrago
quer um resgate

Minha vida banza,
não enjoar

Mas se no rosto,
um olhar me bate

Aprumo a alma,
vou navegar


Não quero dinheiro
nem ouro
O que é do mundo,
dou ao vento
A tua alma
É o meu tesouro

Eu vou roubar teu sentimento

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Olhos de horizonte

Olhos de tarde fria que pede cobertor de braços
Olhos de harmonia entre vento e arrepio
Olhos de certeza, de promessa e destino
Olhos de vida em plenitude
Olhos de pecado sem penitência
Olhos de mandamento sem pudor
Olhos de valsa, de salão, de passos e compasso
Olhos de música
Olhos de eternidade que se espalha no peito
Olhos de colocar madrugada para domrir
Olhos de cascata que corta o ar
Olhos de orvalho que acaricia as flores
Olhos de desabrochar paixões
Olhos de coração acelerado
Olhos de onda que sacia a praia
Olhos de beijo em fim de tarde
Olhos de lua de amantes
Olhos de seresta e janela
Olhos de fogueira de são joão
Olhos de cheiro no pescoço na rede
Olhos de água quando se tem sede
Olhos de carta de amor rasurada
Olhos de última palavra da poesia
Olhos de métrica
Olhos de lareira no frio
Olhos de passeio no parque
Olhos de leitura ao pé de uma árvore
Olhos de domingo em casa no sofá
Olhos de filmes de romance com final feliz
Olhos de água de coco no alto de Olinda
Olhos de chuva no píer à meia-noite
Olhos de sorriso sozinho
Olhos de ansiedade que antecede a surpresa
Olhos de auto-estima recuperada
Olhos de chocolate na ponta dos dedos
Olhos de emoção com autenticidade
Olhos de jantar à luz de velas
Olhos de medo de amar
Olhos de declaração em público
Olhos de abraço com medo do escuro
Olhos de vinho no terraço em noite chuvosa
Olhos de primeiro fondue da mesa
Olhos de perdão aceito
Olhos de carinho após o amor
Olhos de mãos juntas
Olhos de sussurro e segredo
Olhos de sentar no chão para brincar
Olhos de futuro.
Olhos de lágrimas de alívio
Olhos de saber viver

Olhos de mundo

Olhos.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Réstia

E do quase
todo o nada me resta

da voz,
o silêncio
do toque,
o vento
dos olhos,
a réstia

a boca viaja
a outro porto
e a quem reporto
meu lábio d’água?

eu só lamento
que nem o tempo
nos aninhou

e agora às pressas
te barco súbito
já deslanchou

eu cavo a memória
à tua procura
e em cada loucura
não mais te acho

eu abro a porta
e vejo a agrura
e não aventura
nos meus passos

dói
corrói
destrói
cada tijolo de paixão
que sobre o meu chão
ficou cimentado

ah essa dor
que se mostrou amor
e agora se esconde

casamento carnal
lua de carnaval
sol de amantes

atrás do muro
ficaram sonho
e desencontro
de previsões

chegaram o choro
o engasgo
e a desilusão

perdi o rumo
e no meu prumo
falta o chão

fucei destino
brechei vidas
e enriqueci

guardo o tesouro
de poder dizer
que te vivi

felicidade
por sina
como a
vida quer

foi provar
tua alma
de menina
e mulher

me apego à saudade
para não te esquecer
és a sombra de amor
que só eu posso ver

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

deserto...

... dois corpos e um só ser
no encontro fugaz do desejo
no calor da fria madrugada
a insanidade gerou o prazer
no improviso de cada detalhe
despudor para não esquecer

entre palavras, goles e anseio
bocas, mãos e carícias
o refúgio na ponta dos dedos
o alimento, desculpa e abrigo
o receio, desafio do tempo
a alma, coragem e castigo

versos de beijos em tuas ancas
suspiros de rimas em segredos
no vai e vem de nossa ousadia
minha estrofe veio de tua tez
poesia, paixão e insensatez
na ponte entre a noite e o dia

no teu compasso, vigorei
fui amante, vassalo e rei
no trono de toda luxúria
no meu pecado, você reviveu
provou, se doou e elegeu
o deleite a nossa tirania

e nos teus braços de descanso
eu desnudei o meu espírito
soneguei riso e até pranto
vi nos teus olhos o remanso
no teu carinho, meu retiro
e me abriguei no teu encanto

mas teu destino se esquivou
e minha estrada se perdeu
para o caminho do ardor
a tua vista me escapou
no paladar de quem se deu
essa distância é dissabor

voa agora em mundo aberto
que me equilibro em ilusão
se a felicidade não é perto
te oferto o céu da vastidão
eu continuo aqui deserto
com você no coração...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Dedicatória.

O mundo cabe em um suspiro. E a vida mora em um beijo. A realidade é um quadro invisível a toda forma de olhar forjado na razão. O raciocínio tropeça. É um espectador cego diante da paisagem da existência. Quem pensa não vê. Quem vê nem sempre sente. Quem sente é o próprio universo dentro de um ser. Sentimento é liberdade para qualquer cárcere. A emoção destranca grades e dor. Subjuga algemas e tristeza. Alforria escravos de rotina e medos.

A humanidade perambula vesga pelos corredores do hábito. E padece inerte aos atalhos das oportunidades. Na esquina do costume com o inesperado, os gestos repetem um padrão: abraçam o vazio menos doloroso apelidado de certo. Subtrair riscos, cortar impulsos, sonegar desejos. Eis a lição decorada na cartilha de quem não lê o prazer. Errado é financiar vontade, multiplicar ousadias, aflorar anseios. A enciclopédia herege dos desafios devia se mostrar atraente. Os capítulos desamarram pudores. As palavras encurtam amores. E as letras desfilam em cada linha o poder de dar sentido a vidas. Mas nem todo ensinamento escapa ao receio. Mudança rima com equívoco no glossário do conformismo. E, para a estrada da afoiteza, o mundo recolhe o passo.

O manual da vida contém uma única doutrina: viver dispensa quaisquer regras. O futuro sobrevive no agora. O passado se alimenta de esquecimento. Basta ao presente nortear a caminhada de quem busca ser feliz. O tempo ensina que os moldes caem, um a um, no revezamento do dia com a noite. Os dias excluem a eternidade. Os meses apagam os rótulos. Os anos demitem a imortalidade das juras. Só o arrependimento amadurece na proximidade do fim.

O tempo são como folhas que se despedem das árvores no outono: nem retornam aos galhos, nem se fazem jovens novamente. Estão fadadas ao solo. E nunca mais serão da mesma primavera. O diferencial da vida está no sopro que cada um dá ao próprio destino. Que vale mais: a brisa que levemente ajuda a planar sentimentos e garante um pouso tranqüilo sobre o chão? Ou a tempestade capaz de sacudir para cima qualquer trajetória e fazer a lucidez esquecer que existe um chão? A lei dos homens pede a prudência. A sociedade exige o limite. Mas a sanidade não toca o céu. E o mundo precisa voar.

No limite do auto-controle, as algemas atendem pelo nome de juízo. Bom senso, cautela, discrição, reserva, prudência. A língua é eloqüente para silenciar os sentidos. Amputar vontades, aplacar ímpetos, subnutrir sonhos. Mas ninguém sobrevive de prisões. A alma se contorce para ser livre.

Levamos no rosto o currículo das nossas opções. Sorrisos adocicados, lágrimas amargadas, indecisões coradas de experimentações. Cicatrizes podem ser feias, mas desenham nossas atitudes. Rugas espantam, mas definem nossas escolhas. Cabelos brancos, calvícies, cachos enrolados. Termômetros de alegrias e tristezas. Marcas e sinais da caminhada chamada vida. De que vale a pele lisa de uma história em branco?

Todo pensamento dever ser relido ao contrário. A vida pede o romantismo do acaso. E ele está nos olhos de quem vê. Com a alma.