segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Insanidade

Vejo a insanidade invadindo meus poros. Minha lucidez seqüestrada. Minha regra desfeita no caminho do momento. Meu combalido sentido de direção violentado pelo acaso. A nau anda errante. Mareja, mas não aporta. Viaja, mas não chega. E em cada porto, deixa uma carga de devaneios. Ninguém sobe. Ninguém fica. São todos passageiros de um desatino ao sabor da maré.

Navego os dias sem mapa ou rota. Minha carta de navegação é a alforria de cada dia. Sôfrega. Virtuosa. Trôpega. Sinuosa. Assim vai minha vida. Assim segue meu labirinto indigesto por ironia tachado de mente. Circulo ilhas, contorno continentes. Nada de porto seguro. Nem porto sem rumo. Nem espaço para ancorar. A minha milha é a ilusão. De quem sou, do que faço, do que penso que o mar me revela quando esconde sua profundeza. Na superfície dos dias, a espuma beira a eternidade. Nada é real. Nada é concreto. Tudo se desfaz no toque de quem quer a certeza. Em águas cristalinas, não nadei com freqüência. E nem mesmo a prudência me impediu de sonhar.

E o que me importa a correção da praia? Água de um lado. Terra do outro. A lei respeitosa dos movimentos calculados. Um vai. O outro cede. Um aparece. O outro submerge. Convivência de dias. Empatia de noites. A inércia como tempero de uma vida insossa. Eu quero a tempestade das almas. A orgia dos maremotos. A falta de ordem na desvirtuada sinfonia dos ruídos que a vida arrota. Sem ar. Sem vícios. Sem pulmão para se deliciar com o vento. Quero o balançar sem enjôos do inconsciente. Da certeza fortuita. Da dúvida magra e repelida. Fastia-me sofrer nas rédeas. Avilta-me corroer o intestino com os poros fechados pela decência. Carece-me a falta de chão.

O passear louco de quem não sabe qual passo dar é tão somente a receita sonegada pela felicidade. Atalho do prazer. Menor distância para a luxúria. Infiltram-me dores e odores de ser incerto diante da fraude apelidada de razão. Ninguém domina a imortalidade dos momentos. Palcos do improviso. Salões da dança ilógica. Corredores de parâmetros rasgados por quem se guia de olhos vendados para o amanhã.

Nem sei mais quem sou. Nem o mar me diz. Nem os ventos assobiam. Nem a terra desenha. As águas são turvas na aventura pelo desconhecido. Escondem pedras. Cobrem vidas. Não saciam sequer a vista, enganada pelo balanço conveniente e lúdico de ondas sem qualquer propósito. Uma vida regada pela insanidade exige mergulhos constantes para descobrir o que o mar esconde por baixo da opaca camada de rótulos sociais.

A cada imersão, e as águas se reinventam. A cada descida, os dias se banham em novo sentido. A cada risco, a coragem risca o que um peito arisco se furtou a rabiscar nas páginas do agora. Eu me acorrento a um tempo que não anda. A um dia que não finda. A uma era que não sucumbe. Quantas madrugadas a dúvida há de acolher? A ojeriza do controle reescreve a sina de ver o mar. E a minha loucura clama a hora de navegar.

domingo, 19 de outubro de 2008

Tempo

O tempo chora os dias idos
e enerva-se com o amanhã
todo minuto é a ponte
entre emoções visitadas

nasce o segundo da morte
do instante passado
cresce a vida nas horas
feitas de pó e de vento

mente quem toma pulso
de incertezas cronológicas
o tempo passeia livre
das amarras do meu tempo

se domino um momento
breve é o meu controle
movediça e tão efêmera
imortalidade me escorre

eu escrevo e marco meses
mas não os aprisiono
o calendário agendo e tento
e me atraso em cada sonho

se me adianto e penso
e algemo e ordeno
sorrio e choro e magoou
canso de cronometrar

não toco futuro longe
ou guardo passado perto
vivo hoje indiferente
pelo destino encoberto

e embarco na balsa da vida
sem qualquer faz-de-conta
o acaso o leme me aponta
o agora é quem me duvida

e nas ondas do tempo parto
um olhar em cada partida
na volta para um espaço
refaço minha guarida

sem lágrimas pro que se foi
sem sorrisos pro que virá
canonizo a surpresa
o presente é meu altar

ancoro o efêmero e marco
meu tempo é o que vejo
minhas horas o que sinto
meus minutos um desejo

o meu segundo é a sina
na eternidade de um beijo

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Oferecer

(Ar) risquei oferecer
no livro do tempo
das nossas histórias
mas tua recusa
rasgou o verbo
entre nossos destinos
quatro sílabas ao ermo
repaginaram o prumo
dos meus versos

despetalada a fé
vagueou na descrença
do teu silêncio
reescrevi o dogma
de ler meus prazeres
na tua indiferença
minha caligrafia
soletra a crença
na felicidade

no choque do adeus
revisei as dores
da contramão
e apaguei temores
ditados pelo caminho
hoje há quem ore
na cartilha conjugada
pelas cicatrizes
de que desviei

arquivado o sufixo
que traduz o meu ser
feito página em branco
não consigo rever
as linhas de engano
que meu coração
rabiscou a perder
no rodapé da sorte
anverso de você

da entrega testemunhada
lapidei o infinitivo
despedacei oferecer
e redigi outra sina
na trilha da nova vida
meu texto me ensina
romance recapitulado
em cada oferta só vinga
quando amor se combina

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Binômios

Praia e mar
e viverei meus dias sob o ardor de tua pele escaldante
Chuva e frio
para banhar de prazer tua cútis encharcada de luxúria
Céu e terra
e voarei na superfície de teu olhar polido de horizonte
Vento e tempestade
para sacudir tuas certezas com meu fervor de balbúrdia
Preto e branco
e a teimosia oscila entre o retrato e tua vivacidade tola
Flor e pedra
para quebrar o gelo enraizado em tua fotossíntese
Terra e água
e beberei a aridez na tua distância momentânea e vã
Choro e riso
para reinventar as emoções congeladas no teu rosto
Força e inércia
e moverei tua órbita para perto do meu universo solitário
Sol e lua
para abraçar luz dos teus dias no breu das minhas noites
Palavra e letra
e discorrerei a história dos desencontros entre silêncios
Verbo e substantivo
para batizar os nomes dos beijos que ainda não tive
Fim e começo
e reescreverei o destino com as lágrimas do meio
Foto e movimento
para imortalizar a indiferença no álbum do esquecimento
Público e privado
e trancarei tuas juras desfeitas na intimidade do meu limbo
Alma e sintonia
para compor sonetos no espaço da tua compreensão arredia
Entrada e saída
e sobreviverei acima dos binômios que a estrada constrói
Eu e você
para acabar com a fábula de dois corações partidos...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Demites

Demites prazer desempregado
Como quem enxerga sem ver
Refugas desejo insaciado
Pelo despacho de clichê
Optar certo em meio errado
É um erro se há querer

Palavra de tempo esvaziado
Morre bem antes de nascer
Sofre o peito esfacelado
Pelo que não mais se crê
Onde morou o bem-amado
Hoje se aloja o desprazer

Fui teu céu sempre nublado
Quis trovejar e fiz chover
Banhei de sombra o passado
Para a atmosfera reger
Mas de um clima ressacado
Restou a seca em não te ter

Farejei vento perfumado
Acalentei brisa em você
Do ar sobrou-me agora o fado
Que não consigo mais sorver
E o teu olhar de arejado
Só respira o meu sofrer

Apresso o passo sufocado
Pela ausência do teu ser
Já não dou mais meu recado
Espreito a dor me corroer
Se te fiz minha num reinado
Vejo meu trono arrefecer

O convite ainda assanhado
Ruboriza ao me entreter
Brinquei de amar o pecado
E tropecei sem perverter
Promíscuo carma anunciado
É desmentido ao se benzer

Cambaleio meio desavisado
Porque não soube bem te ler
O meu feitiço decorado
Desbotou por não te ter
Escrevo um sopro rabiscado
Pra teu destino me reter...

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Alforria

Dedilho o labirinto do desejo
e destranco miragens...
fito teus olhos
e acordo anseios
na porta do teu lábio
afianço o meu beijo
na parede da tua pele
meu corpo enquadro
e ao quarto dos devaneios
confino nossos prazeres...

Teus sentimentos emparedam
devassidão dos meus passos
mas à sombra de tuas fendas
meu disfarce perpasso
levo às ruínas tua fortaleza
e império de sentidos refaço

Piso dentro da tua alma
e guio o teu desenlace
encurvo dores
sublimo amores
suspendo pudores
em nossos abraços

Entre sofismas e solfejos,
confissões e reclusões,
delírios e falsas noções,
o que grita mais alto
no silêncio das metáforas?

Palavras, gestos, olhares
tudo soletra vida
arrepios, latejos, suores
tudo em mim te escuta
mergulho em tua verdade
e minha metade traduzo

Quero perder a fronteira
do limite nos nossos atos
o nó das indecisões
deixa que eu desato
com tez, olhos e bocas
nas aspas do nosso contato

Quero deflorar
loucura
patentear
desvarios
inaugurar
segredos
no tempo do hoje

Virar-te ao avesso
do nada
enlouquecer
tuas coerências
decifrar
teus versos de medo

Escalar teus poros
na ponta
da língua
Respirar teus ares
no cheiro
dos dedos
Colonizar teu peito
na síntese
dos nossos corpos

No labirinto dos desejos
eu tateio a saída
no intervalo entre teu olhar e minha sorte
Saboreio atalho
na rota da tua sede à minha entrega
E ressuscito na esquina
entre tuas cinzas e meu despudor

No cárcere das privações
teu corpo quer liberdade
P'ras algemas de indiferença
os sentidos são a chave
O meu deleite é alforria
se escravizas a vontade...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Escolha

Chora e bebe a lágrima
Espírito enraivecido
Rumina o som do ódio
Quebra o sonho
Tora o passo
Lamenta a dor da fraqueza
Pede o rumo não tido
Range a insegurança
Sofre a lamúria da tentação
Cobiça o gesto
Inveja teus pares
Fracassa
Cai
Morre
E tenta não atrapalhar
O dia
A manhã
A noite
A conversa
A música
O vento
Vai-te com a tempestade
Dos azares
Respira o cancerígeno gás
Das revoltas quixotescas
Suporta o fado da mentalidade
Acanhada sob a pequenez
Fala baixo tua inconsciência
Silencia o quase
Amarga o veneno das decepções
Engasga o feito frouxo
Da insuficiência
Prostra o insucesso sobre a mesa
Fatia teus rompantes
Corta a agonia
Esquarteja o resto
Da felicidade
Erguida no castelo de cartas
Da tua mesquinhez
Quebra teus delírios
Delira tuas quedas
Atira-te à miséria da inanição
Da tua ambição, da tua gana, da tua meta
Não te mete.
Encolhe.
Cede à sede morna da neutralidade.
Fica invisível.
Desaparece do que não foi
Some da cegueira tua
Enforca tua voz
Na mudez
De quem não se defendeu
Aposenta o futuro
Desmancha um passado
De brancas páginas
Recolhe as letras do porvir
Tranca-te no tropeço
Dos fonemas
No sofisma dos verbos
Na fala negada à tua vontade
Soma recuos a quem nunca andou
Retrocede
Encasula
Vira embrião e se aborta
Ceifa a raiz
Elimina o mal
Nega-te a chance
De reviver teu erro
De reiniciar depressões
Frustra expectativas
Afoga o pranto no sangue
Derramado em vão
Cega a pele
Emudece a vista
Insensibiliza a boca
Ensurdece o cheiro
Queima o ruído
Enterra a ânsia
Censura as perguntas
Escreve o fim
Torra a página seguinte
Da sobrevivência
Decora teus desacertos
Brada
Grita
Grita o pranto
Esperneia o agora
Sufoca o tempo
A inércia, a insensatez, a tristeza
Galopante da eternidade
Subverte desejos
Amortece pesadelos
Dá guarida ao nada
Pensa em vão
Soluça por fatos
Clama a saída
Do desespero
Assiste à inglória
Da alma condenada
Ao cárcere do sofrimento
Algema teu quase riso
No limbo da indiferença
A vida não te viu
A alegria te preteriu
A sedução te ignorou
Os outros, ah... os outros
Espalham gargalhadas
Sobre tua performance insignificante
Sorriem da banca
Do atrevimento, da soberba, da empáfia
Recalcada
Debocham do teu receio,
Da tua mão fria,
Da tua covardia histérica,
Das tuas conquistas miúdas,
Reles, desprezíveis...
Esquece-te de ti
Embarca rumo à lama
De onde brotou tua essência

Aflige-te
Desgosta-te
Dói tua chaga
Sente marejar os olhos
Vai, chora a lágrima despencada
O desfile sobre a tez de cicatrizes
O cortejo fúnebre no contorno dos lábios
O último suspiro no precipício do queixo baixo
Contempla o vôo da ruína
Aclama a ópera do estalido dela no chão...
É ao raso que pertences. Ao submundo do ocaso.

Suicida o sopro de esperança.

Desiste.

Ou, então...

...prometa-se lutar.

Viver ignora definições.

Sobreviva você
para além das palavras...
para além das regras...
para além das amarras...

Somente viva.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ruge

Ruge o peito imaculado
Na canção que eu te fiz
Chora a mão que ainda insone
Eu te dei, você negou
Rezo só que dor consome
Solidão que jamais quis
Mordo o tempo fatiado
Por amor que se atrasou

Herdo o tudo esvaziado
Só poesia me restou
Verso quando ama come
As sobras de um infeliz
Peço a rima que retome
O que a jura não vingou
E meço os dias no aguardo
Do amor que nos condiz

Caça o olhar ventilado
Pela rima que assoprou
Passa pelo beijo e some
A minh’alma que foi triz
Morre no passado o nome
Que de mel te batizou
Provo do minuto o fado
Que a vida não dá bis

Rosna o passo baqueado
Pela dama de verniz
Pisa no chão que se esconde
Do caminho que já secou
Vento quero que te conte
Excomungaste à raiz
Um instante eternizado
Que num amor se plantou

Late o berço naufragado
Por quem foi e não voltou
Pede o sonho que se banhe
Na ausência em que jazi
Pesadelo já não dorme
Por um canto que faltou
Pra um tempo inacabado
Tu partiste, eu me parti

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Riso solto

O teu sorriso corre solto
Plana alto em madrugada
Espalha charme numa brisa
Voa na palavra dada

O tempo embarca invisível
Saboreia apreensão
Perguntas calam o indizível
Se mesclam na confissão

Eu te descubro e te invento
Num sonho de liberdade
Anseio hora e ilusão

De visitar o teu encanto
Subir ao céu da vontade
E alçar vôo na paixão

Solidão

Solidão é se atirar em poço
que não tem fundo
E descobrir na queda
o fim do mundo

É confinamento
em prisão sem grade,
dar cárcere à vida
e alforria à saudade

A minha dor é procurar
sol no breu da noite
e fazer da esperança tola
a luz de um açoite

E não há alma fina
Na pancada fria
Da escuridão
Onde falta vista
Sobram agonia
E indecisão

A minha dor é refrão teimoso
de uma canção infinita
E desafinada
Desponta em nota solta
Dança no vazio
E tropeça no nada
No salão da vida,
Passo sozinho
na covardia
desavisada
e bailo morto
na ressurreição
de qualquer balada...

Toda palavra sincera
é um poema
Atravessa o papel,
consome e queima
A boca livre do seu portador

Leva meu coração
contigo
Que no peito não há
Mais abrigo
Para quem demitiu
o amor...

domingo, 14 de setembro de 2008

Cinco segundos

São cinco segundos
Dos meus olhos
À tua alma

São cinco segundos
Do meu desejo
À tua sensatez

São cinco segundos
Do meu silêncio
À tua ironia

São cinco segundos
De minha ilusão
À tua nudez

Insisto por cinco segundos
Na eloqüência do ardor
E você, da mudez

Anseio em cinco segundos
Um vulto de heresia
E você, de sisudez

Se por cinco segundos
Eu tomo teus olhos
De vez

É por cinco segundos
Que o meu desvario
Subtrai lucidez

Se por cinco segundos
Eu só possuísse
Tua tez

Viveria cinco segundos
No tempo de quem
Se refez

Seriam cinco segundos
De luxúria, paixão,
Embriaguez

De quem na foz da loucura
Desaguou coração e
Pelo risco se afez.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

De passagem...

Arrisco um verso
sem medo
de recesso

Belisco o tempo
a contento
do vento

Embalo a vida
esquecida
na ferida

Vivo o agora
sem demora
vou embora

Só não morreu
quem foi um eu
enquanto viveu

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Costurando...

Cedi à seda
De uma paixão que alinha
Transformei em agulha
A textura d’alma minha
E costurei meus dias
No teu destino

Com os fios dos teus olhos

Tricotei um cobertor
Fiz do abraço um tecido
E o meu aquecedor
Em que me protejo do frio
Onde não há teu amor

Sinto a maciez do algodão

No toque dos teus sonhos
E me é leve a tua mão
Quando cose o linho
Que forra meu coração
E o borda em teu ninho

Eu te invento em botão
Para preencher a casa
Da vestimenta que uso
Quando sinto que a razão
É linha que se desata
Na emoção do teu riso

Aliso tua pele de lã
E te estofo inteira em desejo

Entrelaço a noite com a manhã
No vestuário só do teu beijo
Me esqueço de uma vida sã
Que se descose no devaneio

Nossos corpos traçam luz
Adornados em eternidade
Na linha de um flerte você seduz
E une em nó as duas metades
Que se emendam em ponto-cruz
Entre espíritos e a vontade

Não tem espaço a traça
Que não traça nossos fios
Não há terreno pra ameaça
Que amedronte nosso brio
O que se sutura na graça
Desgraça este desafio

E se o corte insiste
Dividindo a nossa malha
Crio novos modelos
De uma vida que se retalha
Sem rasgar sentimentos
Se renovando com a batalha

Emendo as fibras soltas
E amarro teu corpo ao meu

Uno matéria, costuro planos
Em fazenda que me prometeu
Cobrir o futuro com um pano
Que fez da estampa você e eu

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Dirigir

Quero escrever como dirijo um carro. Ir de uma faixa a outra apenas com um leve esforço de mãos habilidosas. E olhando, furtivo, no retrovisor para evitar transtornos. Não! Para escrever não basta isso. O retrovisor, muitas vezes, nos mostra imagens que imobilizam as mãos e vencem nossos esforços.

Insisto.

Quero começar e terminar uma linha do mesmo jeito que vou de carro de um destino a outro. Mas, toda vez que começo a escrever, surgem novos caminhos, novas avenidas, novas estradas. Acabo perdendo a minha rota e me descubro sem destino.

Persisto.

Quero saber o que vou encontrar quando virar a esquina. Se existe um buraco, um congestionamento ou o se o caminho está livre. Dificilmente, porém, encontro os deslizes do meu texto e caio, afundo, na superfície de buracos inexistentes. Perco-me no sombrio da indecisão, na confusão das palavras, nas possibilidades da oração. Fico parado, revolto em pensamentos que se sobrepõem, se engarrafam, se congestionam. Por vezes, pior: idéias não andam, mensagens não circulam.

Prossigo.

Quero, ao escrever, encontrar os sinais abertos, para construir minha história livremente. Ainda que estejam fechados, quero ter a certeza de que posso esperar tranqüilo que, dali a um certo tempo, eles se abrirão, e eu retomarei a minha trilha de onde parei. Não compreendo. Ao me conduzir nas estradas da literatura, enxergo sinais que se transformam em placas proibindo-me a passagem. Ou desviando a via, que se apaga à minha frente para ressurgir em direções inesperadas. Indicando, ainda, trechos sinuosos, pista escorregadia. Cavaletes de dificuldade.

Desafio.

Arrisco-me a ultrapassar os sinais. Desvio das bifurcações da língua, encosto em termos, expressões e dou seguimento às vírgulas. Não raro, tropeço nas linhas, chego cambaleante aos pontos finais e, inerte, vejo escorrer lentamente o sentido das frases para fora das margens do papel. Na contra-mão, armo o acidente entre os vocábulos, quebro o elo entre eles e os reduzo a nada.

Respeito.

Quero escrever sentindo a segurança de um cinto que me prende à cadeira, pronto para me proteger frente ao inevitável. Escutando o som escolhido por mim, no rádio, e com a marcha que regula a velocidade ao alcance das mãos. No texto, a proteção me algema, o conforto me esconde a criação. Fico... preso. O limite me provoca... se insinua e me pede para vencê-lo. Mas ele se estende, muda de lugar e, quando noto, corre diante de mim. O som da mente é um barulho de vozes vividas, ouvidas, observadas que me contam histórias reais, imaginárias e desejadas. Ruídos que não controlo, volumes oscilantes.

Percebo.

Quando escrevo, a distância percorrida é quase nula, pois dedico grande parte do tempo a colocar as letras e, em seguida, apagá-las rapidamente. A impor a palavra e, logo depois, bani-la. O movimento se repete até que, às vezes, finjo esquecer de apagar.

Sinto-me multado em minhas convicções.
Derrapo nas curvas da técnica.
Freio cada uma das inspirações...

...Para, a seguir, acelerá-las.

Nos obstáculos, crio a minha voz.
Enfrento o destino.
Faço da vida o meu combustível.

Transformo sinais em pontos de partida.
Redobro os esforços.
Encontro brechas nos congestionamentos.
Exploro o breu das vielas, dos becos, e chego ao final das ruas sem saída.
Dou-me o prazer de perder os caminhos e virar nas esquinas que desconheço

Ilumino a escuridão e descubro que é assim que as palavras brotam, o texto cresce, a história se conta.

Mas não incorporo a certeza: se renego as dúvidas, elas me derrotam.

Repudio meu lugar de piloto.

Afinal, escrever não é dirigir. É perder o controle.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

É tarde?

A palavra veio.
Sim.
Ressoou sentimento.
Tilintou paixão.
Vestiu-se de possibilidade.
Anunciou promessas outrora adormecidas.
Resgatou vontades antes afogadas.
Respirou ares de um vento deslizado no pretérito.
Suspirou desejo.
Assoprou resposta.
Sacudiu dúvidas.
E paixão.

O verbo esbarrou na porta.
Do tempo.
Deu de cara com as horas desconexas.
De frente para o presente.
De alma para o passado.
Deslocado na dimensão da realidade, sobrou-lhe o apelo.
O resquício da gravidade de corpos afastados.
De poder, virou esperança.
De domínio, fez-se escravo.
Virou espera.
Depois, medo.
Enfim, ânsia.
Implorou a metamorfose dos fatos.
Clamou milagre da compaixão.
O subterfúgio dos desesperados.

A frase se locupletou.
De vazio.
O silêncio se elegeu.
Brindou o olhar.
Esfriou a mente.
Imobilizou fonemas.
Tardou a ação.
Encontrou desencontro.
A reação ignorou a troca.
Parada, distante do momento,
ausente do enlace,
afastada da recaída,
mas presa ao querer.
Rendida pela saudade de uma chance sonegada.
Algemada pela ocasião de uma morte anulada.

Lados opostos.
Ímãs humanos.
Separados pelo fosso cavado entre ímpeto e rejeição.
No labirinto do destino, a saída quebrou.
A chave do risco não abriu insegurança.
Proposta degustou rejeição.
Janela se abriu ao prazer.
Mas se fechou ao horizonte do medo.
A distância embalou o amanhã.

Reticências viveram o sono.
Ilusões povoaram os sonhos.
Insônia do desengano.


Mas o acaso falou.
Ecoou no repente.
Acordou reencontro.
Desdisse sina.
Reviveu nervosismo.
Pôs madrugada diante de confissões.
Recosturou feridas.
Curou desânimos.
Ergueu ponte entre esquecimento e felicidade.
Soergueu fogo.
Erigiu prazer.
Rendeu lascívia.
Ensejou nova rota para voar sobre o abismo solitário da arritmia.

Entre amantes do nunca.
Entre beijos da dúvida.
Entre o nada e o abraço da reconquista do tempo.

É tarde?
Ou a vida dispensa os segundos?

Há somente uma página em branco.
E a história de dois corações a escrever.

terça-feira, 27 de maio de 2008

A vez

Em você o silêncio basta
A vontade se confessa
A razão é só uma injúria
Deflagrada na mudez

Em você o instante some
A eternidade embala o tempo
O segundo atrasa o passo
No desejo da nudez

Em você a sina vive
O destino se recomenda
A emoção suplica a lida
No pulsar da tua tez

Em você o verbo vibra
A palavra se inventa
O verso se consolida
Na rima da insensatez

Em você força fracassa
A dureza estremece
Os olhos se fazem golpe
Na queda de uma sisudez

Em você o mundo finda
O universo recomeça
A vida se alinha
Na regência da tua vez

sexta-feira, 25 de abril de 2008

...

Junto tuas dores e componho
Sinfonia da recaída minha
Somo meus medos e resolvo
Equação de minhas mentiras

Equilibro tensões e vidas
Na balança da realidade
Percorro a linha divisória
Do invisível prazer de ser

Há muitas partidas no jogo
Em que sou peça e jogador
Há movimentos e inércia
No campo das sensações

Subtraio riscos e tenho nada
Do que quero multiplicar
Divido expectativas e sonho
A soma dos desencontros

Orquestro o lance derradeiro
E afino o passo do êxtase
Antes do gozo do acorde
Adormeço o som do ruído

E que bela canção se espalha
Nas contas de uma rodada
Vem a vida, vai a dádiva
Numa troca entrelaçada

Ri somente quem debocha
Das suas próprias jogadas
Acertos e erros são vãos
Viver não é matemática

Só há um cálculo permitido
Na partitura de um esmero
Somar instantes ao presente
Fazer futuro sem pretérito

A inconseqüência é o berço
Dos afortunados...

segunda-feira, 31 de março de 2008

Feito nuvem

Rimei angústias
Escrevi esperança
Obtive versos
De solidão

Conjuguei a espera
Regi o retorno
Acentuei o medo
Da desilusão

Cantei a conversa
Solfejei o desejo
Desafinei o passo
Da sedução

Ouvi o petardo
Escutei a dor
Ganhei companhia
Da frustração

Vi o desabafo
Enxerguei o fiasco
Avistei a covardia
Da retribuição

Senti o refugo
Apertei o lábio
Chorei o tropeço
Do coração

Recebi o rótulo
Virei algo leve
Fiz-me de nuvem
De precipitação

Passeei no teu céu
Colori teu olhar
Fui útil às carícias
Da tua sensação

Figurei no drama
Redigi os sorrisos
Vivi aquém da dúvida
Da imaginação

Fiquei no arquivo
Mofei na história
Fui página virada
Da tua narração

Chovi a derrota
Molhei de recusa
Imergi em versos
De consolação

Sorvi o soluço
Bebi a realidade
Entendi-me desuso
Da tua criação

Solapei a lágrima
Deixei-te em paz
Soterrei a ousadia
De uma paixão

quarta-feira, 5 de março de 2008

Miedo

Tua risada ainda faz
o meu peito se engasgar

Tua voz ainda faz
o meu dia se inventar

Teu momento ainda faz
o meu tempo recuar

Para bem perto da paixão
Para bem longe do sonhar

E continuo com o medo
"do medo que dá"...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Voz

Voz que faz o frio
na espinha surpresa
Voz que desafia
a emoção retraída

Voz que canta
Voz que encanta
Voz que sacrifica
Voz de veludo
que emprenha a saudade

Voz de vidro
de transparência
Voz de vitrine
de desejo, inocência

Voz de risco
de vontade

Voz.

Voz de doçura
de viagem, loucura
Voz de imagem
Voz de teu corpo

Voz.

Voz de lágrima
esquecida
Voz de neve
e de calor

Voz de esperança
Voz separada
Voz de lembrança
Voz embargada

Voz de adeus
Voz que deixou

Voz que perdeu
Voz que quebrou

Voz que correu
Voz que marcou

Voz de um instante
entre você e eu

Voz de uma paixão
que o tempo calou.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Mar de dúvidas...

O que me seduz não são tuas declarações
Mas o silêncio que ergues em torno delas
O que me fascina não é o carinho
Mas a ilusão que tua mão me nega
O que me atrai não é a força do teu olhar
Mas o chão que ele me toma subitamente

Teu espírito vagueia pelos becos da dúvida
E me descarrila a certeza do próximo passo
Na tua indecisão mora meu futuro
Nos meus desejos vivem os nossos laços
Eu quero o caminho que trilhas no escuro
E a luz que margeia um suposto abraço

Mas foges insegura pelo mar da omissão
À revelia da vela que guia o meu barco
Preciso do vento que é teu encalço
A sina que banha minha embarcação
Meu porto seguro é apenas o espaço
Em que ancoraste o teu coração

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Entre...

Entre o branco e o negro
Uma idéia e uma ação

Entre o teatro e o palco
Um intérprete e uma fala

Entre a palavra e o verso
Uma rima e um tempo

Entre o relógio e a grandeza
Um segundo e uma feição

Entre o sorriso e a lágrima
Um gesto e um mundo

Entre o universo e o átomo
Uma auto-estima e um sabor

Entre a delícia e o calor
Uma boca e um desejo

Entre a volúpia e a contenção
Um dente e um sentimento

Entre um amor e um beijo
Um risco e uma ilusão

Entre o imaginário e o eclipse
Um passeio e um espírito

Entre a alma e o breu
Uma inércia e um olhar

Entre a íris e a verdade
Uma cor e uma carência

Entre a saudade e a mão
Um caminho e um sonho

Entre um pesadelo e a parcimônia
Um cochilo e uma sina

Entre o destino e o passado
Um passo e uma memória

Entre uma lembrança e a projeção
Uma história e uma lástima

Entre a dor e a felicidade
Uma atitude e um recuo

Entre o freio e o disparate
Uma rédea e uma fortuna

Entre a riqueza e o sucesso
Um senso e uma ambição

Entre a vontade e o limite
Uma confiança e uma essência

Entre a vida e a razão
Um delírio e um consenso

Entre o certo e a sorte
Uma página e um conto

Entre o romance e a sedução
Um deslize e um descontrole

Entre o desequilíbrio e o guia
Um piscar e um prazer

Entre a lascívia e o pudor
Uma resistência e um vão

Entre o nada e o significado
Uma retórica e uma ciência

Entre a inteligência e a sobra
Uma infância e um corpo

Entre o nu e o fetiche
Um sopro e uma partitura

Entre a música e o pêndulo
Um compasso e um coração

Entre o batimento e a bateria
Uma cadência e uma farsa

Entre a metáfora e o sentido
Uma explosão e um pecado

Entre a transgressão e os lábios
Um olfato e uma união

Entre o sexo e o carinho
Um encontro e um ardor

Entre a perdição e o desprezo
Uma saliência e uma dança

Entre o passo e o caminho
Uma decisão e uma estrela

Entre o sol e um rosto
Uma manhã e uma asa

Entre o pássaro e a prudência
Um orifício e uma flor

Entre a natureza e o céu
Uma mulher e um mapa

Entre a rota e o indizível
Uma aventura e um segredo

Entre a confissão e o silêncio
Uma recusa e uma ascensão

Entre a erupção e a tez
Um contato e um cheiro

Entre a carne e a alma
Um sangue e uma paixão

Entre a brasa e o frio
Um norte e um calendário

Entre o dia e a noite
Um sono e um poema

Entre o soneto e a paródia
Um fosco e uma religião

Entre a descrença e a luz
Uma reza e uma oração

Entre o altar e a graça
Um pedido e uma visão

Entre o espelho e o eu
Uma imagem e um choro

Entre a lágrima e o doce
Uma espera e um amanhã

Entre a esperança e o fato
Um retrato e uma distância

Entre a ponta e o começo
Um círculo e uma porta

Entre o labirinto e a saída
Um texto de consolação...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Nunca quis...

Nunca quis dominar o tempo
Nem submeter os caprichos do amor
Ao crivo idiota das vontades tolas
Ninguém sabe que passo dar
Na estrada dos sentimentos

Os forasteiros se aventuram
E pagam o preço da petulância
Os covardes se esquivam
E amargam a dor do que não vivem
O caminho tem pedras e flores
Para quem não senta à margem da via

Abracei sonhos de eternidade
E acalentei paixões instantâneas
E o que sou longe das decepções?
Um punhado de desejos,
Uma gama de vontades,
Um poço de ilusões...

Amor não se toca
Paixão não se rende
Virulência se ensaia
No rodapé do acaso
E só se sofre com o
Arrependimento da inércia

Beijos de infância se perderam
A inocência era o trunfo
Que se derramou nos dias...
Preocupação agora é rotina
Boca sedenta se incrimina
Num futuro sempre incerto...

Que mal fez o corpo que quis
Ser doado aos prazeres súbitos?
Quando na fertilidade de teu anseio
Plantei a volúpia mais frondosa
Que os ramos de qualquer receio
Não lhe deixariam tão formosa?

A vida não rima
Nem é estéril quanto os textos
Mais castigados por mãos secas.
Cada um põe a palavra que quer
Na frase dos seus momentos
Embora só germinem os fonemas
De quem soletrou amor no vento

E assim a prosa escorre
A poesia se ventila
Entre tropeços de caligrafia
E artimanhas da razão
O relógio assimila a escrita
De um mundo sem magia
Quando morre o coração...

Nunca quis vencer o erro
Mas afaguei o acerto como se,
No excesso de carinhos,
Houvesse da vida retribuição

Amargo a ausência da mão recolhida
O abraço que não veio quando quis
Sofro o germe da indiferença
De uma reluzente consciência
Que não soube fazer raiz
E no destino perdeu guarida

O papel só pede a letra seguinte
Se as idéias produzem sincronia
De nada adiantam expressões pedintes
Como se revirassem uma folia
E não possuíssem o requinte
Da mais pueril ideologia

O poeta é um sarcástico
Sofre para escrever
Escreve para sofrer
Vislumbra o fantástico

Seqüestra o papel
Para se regozijar
Sem saber amar
Faz doce o que era fel

Eu nunca quis conquistar futuro
Reinar sobre uma possibilidade
Mas ergui no destino um muro
A fortaleza da minha vontade
Como se pudesse governar amor
Contra barbárie de uma saudade

Mas reconheço o fracasso vão
De uma sorte desencontrada
Ceguei-me à luz de uma visão
De uma batalha ressabiada
E na luta por uma emoção
A paixão foi derrotada...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Desfez-se...

E então o ar se desfez...
Como flor de primavera
Que no outono murchou...
Como chuva de quimera
Que no tempo se firmou...

Separando duas eras

Foi-se no som nostálgico
da madrugada
A melodia reverberada
Das manhãs
De almoços festejados
De mensagens insanas...

A cortina se fechou ao palco da paixão
A última cena ensaiou eternidade
Nos sorrisos de costume...
Nos olhares de lassidão...
Nos atalhos da afinidade...
Nas palavras com perfume...
Na semente das vontades...
Nas carícias de um vão...

Em cartaz em nossa história
Se apresenta a saudade

O tempo foi amigo
E se esqueceu de andar
Sob a energia do teu ego
Me desvaneci a sonhar
Cada gota de teu jeito
Me atrevi a eternizar

Mas foi-se o espírito de liberdade

A poesia que fala
O sorriso que versa
A estrofe que vive
O soneto que ainda me embala...

Recolheu-se à rotina
Meu sabor de perdição
E levou com seus medos
Meu dom de ilusão
Não embarco em profecia
Minha queda é o chão

A lágrima ficou presa
E pediu para brotar
Gritou por um destino
Pôs-se a chorar
No paradoxo do desencontro
Amou o amar

As mãos se fizeram inquietude
Falaram o que o coração calou
Pensamentos sem plenitude
Espaço aberto pro que restou
Um esboço de uma atitude
No universo de quem se amou

Quem tem o poder de reger o futuro?
Quem amarga a ansiedade do que não se sabe?
Quantas covardias esconde uma segurança?

Mundo de perguntas e poucas palavras
Respostas tolas
Vãs
Inexistentes

O que deseja um peito palpitante,
Senão o olhar apaixonado
O beijo adocicado,
O calor inevitável,
Da abreviatura do céu
Retratado na amante?

Passos errantes. Sem explicação. Inconfessos.

Desejos armados. Língua afiada. Inertes.

Que estrada une atrações iguais?
Quando o mapa se arvora
No presente
O provável fica ao alcance
De mãos perenes

O peito ruiu
O sorriso chorou
Os olhos emudeceram

Bateu asas e levantou vôo
O atalho da felicidade

A filosofia da expectativa
Se agachou à realidade
Nem Sócrates, nem Kant
Nem resquícios de maldade
Sobram as dores do desfecho
À margem da insanidade...

No drama do que não se fez
Resta a lembrança do que seria
Das conversas das hipóteses
Da especulação sobre ousadia
Da espera de uma resposta
Da leitura em poesia...

Saudade do que não vingou
É morrer ainda em vida

E assistir ao funeral
Da própria alma apaixonada


A dança exibiu seu último passo
O brega que uniu os laços
Se decantou no silêncio
Das expressões amenas
Que enterraram trajetórias

A mordiscada virou lenda
E regalia
No imaginário da sedução

À visita inesperada,
Fechou-se a porta
Da calada das aventuras

O dedilhado,
A excitação,
A malícia,
A paixão,
Os olhos revirados,
O gemido,
O telefonema,
O toque
De dois corpos sedentos
Se viram censurados

Entre desejos incautos
Restritos ao quase...
... e, agora, à proibição.

As metáforas se diluíram
Na angústia de quem não as vive mais...
A poesia está embargada
E não consegue ser chorada...
Faltam versos de lágrimas,
Faltam dores rimadas,
Faltam beijos de consolação.

What’s possible to the poet
make beyond the time if...
… he can’t take his eyes, his mind, from you…?

Aguarda ansioso o passeio
Da loucura não realizado
Sonha o fim-de semana perdido
Em meio ao inesperado...

Emoldurei a janela dos seus olhos
Na parede secreta do meu coração


Mas a vida há de enfrentar a estrada
Se as lágrimas lavam a dor da ausência...
Filosofia de amor deixa suas pegadas
Solapam os espaços de uma carência...
Na certeza que tens de que fosses amada
Eu vejo a razão da minha insistência...
E nos deslizes de tua timidez desnudada
Percebo que houve entre nós existência...

E que chova o destino.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Vida, som e tempo...

A vida toca dentro dos olhos
E os dias escrevem sinfonias
O destino é a soma de acordes
Em canções cifradas na retina
O futuro é o retrato de uma íris
Na melodia embalada na sina

A vida tem o ritmo do acaso
E a letra se faz do repente
Erros marcam suas notas
Acertos se vestem de tempo
A partitura de uma história
É clave de sons de momento

O destino é uma canção feliz
Entoada nas brechas da solidão
Canta quem se afina à raiz
De um amor ou de uma ilusão
A contagem de um aprendiz
São os diálogos de um refrão

Vive quem soma músicas
Ao repertório do coração
Toda dor de uma angústia
Se traduz em inspiração
Todo riso de uma alegria
Faz de pêndulo a emoção

Viver é se tornar maestro
Da orquestra de uma rotina
Reger fatos como versos
Ver no tempo uma rima
Ouvir de cada sentimento
Uma voz de quem ensina

Composição conta em acervo
Pelo agudo da experiência
No relógio de um solfejo
No valor de uma regência
O compasso de um ensejo
É obra-prima da existência

domingo, 20 de janeiro de 2008

Acaso

Às vezes, tempestades se travestem de brisa
e mares revoltos se escondem na aparente
tranqüilidade da superfície.

Nem sempre o vulcão adormecido
pode ter a erupção prevista.
Ou subestimada.

Feliz é o tempo,
que não conhece o acaso.

Aos mortais,
resta a indefinição.

Amén

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Meio-dia...

É sempre meio-dia quando eu te amo
É sempre calor quando te pressinto
É sempre verão quando me declamo
É sempre ardor quando te excito
É nunca dor quando eu te chamo
Se me embriago na fonte do teu absinto

É sempre céu claro quando me olhas
É sempre eclipse quando me abraças
É sempre gravidade quando me tocas
É sempre universo no ar de tua graça
É nunca afeição que altera a órbita
Se vagueio nos sonhos da tua galáxia

É sempre primavera quando acordas
É sempre fotossíntese quando respiras
É sempre um jardim quando desfloras
É sempre uma brisa quando desfilas
É nunca outono que se revigora
Se me guio nas estações dos teus dias

É sempre uma sinfonia quando tu falas
É sempre um poema quando te descrevo
É sempre uma rima que tu embalas
É sempre a feição de um soneto
É nunca um verso na encruzilhada
Se nos compomos na face de um dueto

É sempre macio quando me agarras
É sempre uma canção quando sussurras
É sempre o toque de uma pluma plácida
É sempre o frescor de uma água pura
É nunca incômodo de uma pele rasa
Se mergulho no mar do amor que dura

É sempre deslize quando te prendo
É sempre escorregadio quando te vejo
É sempre confirmação que estou querendo
É sempre a sincronia que não tem pelejo
É nunca o conflito que se vê ardendo
Se na tua essência sou só desejo

É sempre oceano quando me navegas
É sempre vela cheia quando te anuncias
É sempre maresia que à praia se entrega
É sempre a onda que se vangloria
É nunca tempestade que se congrega
Se me banho nas águas do teu mar que guia

É sempre o que o nunca tem vontade
É nunca o que jamais será pra sempre
Quando no futuro da possibilidade
O destino não for mais do presente
Pro fim dos dias serei a ansiedade
Do princípio de amar eternamente