quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Desfez-se...

E então o ar se desfez...
Como flor de primavera
Que no outono murchou...
Como chuva de quimera
Que no tempo se firmou...

Separando duas eras

Foi-se no som nostálgico
da madrugada
A melodia reverberada
Das manhãs
De almoços festejados
De mensagens insanas...

A cortina se fechou ao palco da paixão
A última cena ensaiou eternidade
Nos sorrisos de costume...
Nos olhares de lassidão...
Nos atalhos da afinidade...
Nas palavras com perfume...
Na semente das vontades...
Nas carícias de um vão...

Em cartaz em nossa história
Se apresenta a saudade

O tempo foi amigo
E se esqueceu de andar
Sob a energia do teu ego
Me desvaneci a sonhar
Cada gota de teu jeito
Me atrevi a eternizar

Mas foi-se o espírito de liberdade

A poesia que fala
O sorriso que versa
A estrofe que vive
O soneto que ainda me embala...

Recolheu-se à rotina
Meu sabor de perdição
E levou com seus medos
Meu dom de ilusão
Não embarco em profecia
Minha queda é o chão

A lágrima ficou presa
E pediu para brotar
Gritou por um destino
Pôs-se a chorar
No paradoxo do desencontro
Amou o amar

As mãos se fizeram inquietude
Falaram o que o coração calou
Pensamentos sem plenitude
Espaço aberto pro que restou
Um esboço de uma atitude
No universo de quem se amou

Quem tem o poder de reger o futuro?
Quem amarga a ansiedade do que não se sabe?
Quantas covardias esconde uma segurança?

Mundo de perguntas e poucas palavras
Respostas tolas
Vãs
Inexistentes

O que deseja um peito palpitante,
Senão o olhar apaixonado
O beijo adocicado,
O calor inevitável,
Da abreviatura do céu
Retratado na amante?

Passos errantes. Sem explicação. Inconfessos.

Desejos armados. Língua afiada. Inertes.

Que estrada une atrações iguais?
Quando o mapa se arvora
No presente
O provável fica ao alcance
De mãos perenes

O peito ruiu
O sorriso chorou
Os olhos emudeceram

Bateu asas e levantou vôo
O atalho da felicidade

A filosofia da expectativa
Se agachou à realidade
Nem Sócrates, nem Kant
Nem resquícios de maldade
Sobram as dores do desfecho
À margem da insanidade...

No drama do que não se fez
Resta a lembrança do que seria
Das conversas das hipóteses
Da especulação sobre ousadia
Da espera de uma resposta
Da leitura em poesia...

Saudade do que não vingou
É morrer ainda em vida

E assistir ao funeral
Da própria alma apaixonada


A dança exibiu seu último passo
O brega que uniu os laços
Se decantou no silêncio
Das expressões amenas
Que enterraram trajetórias

A mordiscada virou lenda
E regalia
No imaginário da sedução

À visita inesperada,
Fechou-se a porta
Da calada das aventuras

O dedilhado,
A excitação,
A malícia,
A paixão,
Os olhos revirados,
O gemido,
O telefonema,
O toque
De dois corpos sedentos
Se viram censurados

Entre desejos incautos
Restritos ao quase...
... e, agora, à proibição.

As metáforas se diluíram
Na angústia de quem não as vive mais...
A poesia está embargada
E não consegue ser chorada...
Faltam versos de lágrimas,
Faltam dores rimadas,
Faltam beijos de consolação.

What’s possible to the poet
make beyond the time if...
… he can’t take his eyes, his mind, from you…?

Aguarda ansioso o passeio
Da loucura não realizado
Sonha o fim-de semana perdido
Em meio ao inesperado...

Emoldurei a janela dos seus olhos
Na parede secreta do meu coração


Mas a vida há de enfrentar a estrada
Se as lágrimas lavam a dor da ausência...
Filosofia de amor deixa suas pegadas
Solapam os espaços de uma carência...
Na certeza que tens de que fosses amada
Eu vejo a razão da minha insistência...
E nos deslizes de tua timidez desnudada
Percebo que houve entre nós existência...

E que chova o destino.

3 comentários:

Anônimo disse...

Monstruosa. Nem sei o que dizer. Apenas agradeço por ler.

Unknown disse...

Belíssima.

Unknown disse...

Incrível como escreve bastante e pouco divide comigo... Nos conhecemos muito pouco mesmo...

Parabéns pelo seu dom, Tico!

Deve ser um grande presente para aqueles que são avisados e consultados.