terça-feira, 23 de setembro de 2008

Escolha

Chora e bebe a lágrima
Espírito enraivecido
Rumina o som do ódio
Quebra o sonho
Tora o passo
Lamenta a dor da fraqueza
Pede o rumo não tido
Range a insegurança
Sofre a lamúria da tentação
Cobiça o gesto
Inveja teus pares
Fracassa
Cai
Morre
E tenta não atrapalhar
O dia
A manhã
A noite
A conversa
A música
O vento
Vai-te com a tempestade
Dos azares
Respira o cancerígeno gás
Das revoltas quixotescas
Suporta o fado da mentalidade
Acanhada sob a pequenez
Fala baixo tua inconsciência
Silencia o quase
Amarga o veneno das decepções
Engasga o feito frouxo
Da insuficiência
Prostra o insucesso sobre a mesa
Fatia teus rompantes
Corta a agonia
Esquarteja o resto
Da felicidade
Erguida no castelo de cartas
Da tua mesquinhez
Quebra teus delírios
Delira tuas quedas
Atira-te à miséria da inanição
Da tua ambição, da tua gana, da tua meta
Não te mete.
Encolhe.
Cede à sede morna da neutralidade.
Fica invisível.
Desaparece do que não foi
Some da cegueira tua
Enforca tua voz
Na mudez
De quem não se defendeu
Aposenta o futuro
Desmancha um passado
De brancas páginas
Recolhe as letras do porvir
Tranca-te no tropeço
Dos fonemas
No sofisma dos verbos
Na fala negada à tua vontade
Soma recuos a quem nunca andou
Retrocede
Encasula
Vira embrião e se aborta
Ceifa a raiz
Elimina o mal
Nega-te a chance
De reviver teu erro
De reiniciar depressões
Frustra expectativas
Afoga o pranto no sangue
Derramado em vão
Cega a pele
Emudece a vista
Insensibiliza a boca
Ensurdece o cheiro
Queima o ruído
Enterra a ânsia
Censura as perguntas
Escreve o fim
Torra a página seguinte
Da sobrevivência
Decora teus desacertos
Brada
Grita
Grita o pranto
Esperneia o agora
Sufoca o tempo
A inércia, a insensatez, a tristeza
Galopante da eternidade
Subverte desejos
Amortece pesadelos
Dá guarida ao nada
Pensa em vão
Soluça por fatos
Clama a saída
Do desespero
Assiste à inglória
Da alma condenada
Ao cárcere do sofrimento
Algema teu quase riso
No limbo da indiferença
A vida não te viu
A alegria te preteriu
A sedução te ignorou
Os outros, ah... os outros
Espalham gargalhadas
Sobre tua performance insignificante
Sorriem da banca
Do atrevimento, da soberba, da empáfia
Recalcada
Debocham do teu receio,
Da tua mão fria,
Da tua covardia histérica,
Das tuas conquistas miúdas,
Reles, desprezíveis...
Esquece-te de ti
Embarca rumo à lama
De onde brotou tua essência

Aflige-te
Desgosta-te
Dói tua chaga
Sente marejar os olhos
Vai, chora a lágrima despencada
O desfile sobre a tez de cicatrizes
O cortejo fúnebre no contorno dos lábios
O último suspiro no precipício do queixo baixo
Contempla o vôo da ruína
Aclama a ópera do estalido dela no chão...
É ao raso que pertences. Ao submundo do ocaso.

Suicida o sopro de esperança.

Desiste.

Ou, então...

...prometa-se lutar.

Viver ignora definições.

Sobreviva você
para além das palavras...
para além das regras...
para além das amarras...

Somente viva.

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